O Fim de uma Era para os Construtores Alemães

Os construtores de automóveis alemães, como a Volkswagen e a BMW, estão a perder terreno de forma acentuada no mercado chinês. Segundo Frank Sieren, jornalista e autor que vive em Pequim há décadas, esta é uma consequência de erros estratégicos dos próprios alemães. Nas estradas chinesas, a presença de marcas locais como a BYD e, mais recentemente, a Xiaomi, é cada vez mais notória, substituindo o domínio histórico de referências como a VW e a Porsche.

O Domínio Passado e os Primeiros Sinais

Sieren recorda uma era em que um modelo dominava a paisagem de Pequim: o VW Santana. A Volkswagen foi pioneira na China e liderou o mercado durante décadas, tanto no segmento de massas como no segmento premium, com a Audi (o A8 foi durante muito tempo o veículo de eleição da elite política chinesa). Atualmente, o líder de mercado já não é a VW, mas sim o construtor chinês BYD. Os sinais desta mudança surgiram cedo. Em 2008, Warren Buffett investiu na BYD. Em 2013, a Chery, com o apoio de engenheiros alemães, lançou o Qoros, o primeiro automóvel chinês a atingir o nível dos europeus, com cinco estrelas nos testes de segurança da UE e um design apelativo. Contudo, foi um fracasso comercial devido a marketing deficiente e à desconfiança que os próprios chineses ainda tinham das suas marcas.

A Subestimação e o Despertar em Xangai

A verdadeira viragem deu-se quando as baterias chinesas para veículos elétricos (VE) atingiram a maturidade e, a partir de 2019, todos os construtores foram obrigados a cumprir quotas crescentes de produção de VE. Os fabricantes alemães parecem ter sido apanhados de surpresa. “Sim, [subestimaram os chineses] durante demasiado tempo”, afirma Sieren. Os gestores alemães caíram na sua própria retórica, assumindo que os chineses apenas sabiam copiar e não inovar. Durante a pandemia de Covid, enquanto a Europa via imagens de Xangai parada, o desenvolvimento tecnológico na China continuava a um ritmo acelerado. O “despertar brutal” deu-se no Salão Automóvel de Xangai em 2023. Os stands das marcas chinesas estavam repletos, enquanto a BMW, Mercedes e VW foram relegadas para “segunda linha”.

As Três Frentes da Inovação Chinesa

Segundo Sieren, os alemães sentiam-se demasiado seguros e habituados a ditar o ritmo da inovação. Os chineses exploraram três pontos fracos cruciais. Primeiro, a tecnologia de baterias, onde a BYD (antiga fabricante de baterias para portáteis e telemóveis) e a CATL são agora líderes mundiais. Segundo, a conectividade digital entre telemóveis, a cloud e os veículos. Empresas como a Xiaomi e a Huawei, gigantes dos smartphones, ditam agora as regras da integração automóvel. Terceiro, a condução autónoma. Fabricantes como a Li Auto, Baidu e Huawei estão, segundo testes internacionais, na vanguarda global desta tecnologia.

Xiaomi SU7: Um Exemplo da Nova Potência

Um exemplo paradigmático desta nova capacidade de inovação é o Xiaomi SU7. Esta berlina de cinco metros entra no mercado para competir diretamente com o Tesla Model S e o Porsche Taycan. A versão Standard oferece 299 cv e uma bateria de 73 kWh, prometendo 700 km de autonomia. O SU7 Pro eleva a capacidade para 94,3 kWh e 830 km. Ambos os valores de autonomia parecem excessivamente otimistas, especialmente quando comparados com o BYD Seal Design (313 cv, 82,5 kWh), que anuncia uns mais realistas 570 km.

A Versão Max e as Comparações Otimistas

A versão mais potente disponível atualmente é a Max. Equipada com dois motores (673 cv totais) e uma bateria de 101 kWh, a Xiaomi anuncia 265 km/h de velocidade máxima, 0-100 km/h em 2,8 segundos e uma autonomia de 800 km. Novamente, estes números parecem inflacionados. O Porsche Taycan 4S (598 cv, 105 kWh) reivindica 646 km, e o Tesla Model S Long Range (670 cv, 100 kWh) aponta para 634 km.

O Protótipo Ultra: Potência Sem Precedentes

Contudo, o verdadeiro golpe de afirmação da Xiaomi é o SU7 Ultra Prototype. A receção ao modelo foi tão forte que o construtor já confirmou a sua passagem à produção em série em 2025. Este modelo substitui os dois motores do Max por três, totalizando uns impressionantes 1548 cv (a Xiaomi designa os motores mais potentes como “V8” e os menos potentes como “V6”). Este valor coloca-o mais de 500 cv acima dos seus rivais diretos.

A Batalha por Nürburgring e a Ameaça do Preço

O SU7 Ultra anuncia 0-100 km/h em 1,97 segundos e uma velocidade máxima de 350 km/h, superando o Porsche Taycan Turbo GT (2,2s) e o Tesla Model S Plaid (2,1s). Para validar esta tecnologia, a Xiaomi planeia bater recordes no circuito alemão de Nürburgring. Independentemente da performance final da versão de produção do Ultra, a maior ameaça para os construtores tradicionais reside nos preços praticados na China: o SU7 Standard começa nos 29.600€ e o Max nos 41.200€, valores (embora com incentivos locais) que expõem a enorme pressão competitiva que os gigantes alemães enfrentam agora no seu mercado mais crucial.