Há precisamente vinte anos, em Jerez, o campeonato do mundo de 1997 acabava com estrondo. Esta prova foi o recurso que a FIA teve para substituir o Grande Prémio de Portugal, no Circuito do Estoril, cancelado depois de verificaram que se tinha tornado demasiado pequeno para acolher o “paddock”. Com o Circuito de Jerez escolhido, a prova tornou-se num “Grande Prémio da Europa”, numa temporada onde a luta era a dois entre o Ferrari de Michael Schumacher e o Williams-Renault de Jacques Villeneuve, filho do mítico Gilles.
O final da temporada estava a escaldar. Villeneuve tinha sido desclassificado no Japão, depois de um incidente nos treinos, quando ultrapassou sob bandeiras amarelas. Como estava sob vigilância da FIA devido a um incidente semelhante em Monza, corria o risco de não correr em Jerez, mas a FIA autorizou-o, depois da Williams ter deixado cair o apelo que tinha feito ao Tribunal Arbitral do Desporto. Sendo assim, Schumacher estava na frente do campeonato, com 78 pontos, com o canadiano a ser segundo, um ponto atrás.
Assim sendo, as contas eram simples de se fazer: se Villeneuve ficasse à frente de Schumacher, o canadiano era campeão, e vice-versa. E mesmo em caso de empate (só aconteceria se Schumacher desistisse e Villeneuve fosse sexto), o canadiano seria campeão, pois tinha mais vitórias que o alemão: sete, contra cinco do piloto da Ferrari.
Nos treinos de qualificação, assitiu-se a algo de inédito até então: três pilotos a fazerem exactamente o mesmo tempo: 1.21.072 segundos. O primeiro a fazer foi Jacques Villeneuve, aos 14 minutos após o inicio da sessão de qualificação. Exactamente 14 minutos depois, Michael Schumacher fez o mesmo tempo, igualzinho! E a nove minutos do fim, foi a vez de Heinz-Harald Frentzen fazer o mesmo tempo. Como o critério era de que o primeiro a fazer era o que ficava com a posição, foi o canadiano que deteve a “pole-position”, seguido por Schumacher e Frentzen. O quarto foi Damon Hill, no seu Arrows-Yamaha, que ficou a 0,058 segundos do trio.
Os McLaren ficaram a seguir, com David Coulthard a ficar na frente de Mika Hakkinen, com Eddie Irvine a ser sétimo, no segundo Ferrari. Gerhard Berger foi o oitavo no seu Benetton, e a fechar o “top ten” ficaram o Prost de Olivier Panis e o segundo Benetton de Jean Alesi.
O dia da corrida amanheceu seco e limpo, e havia expectativa no ar, para saber como é que aquele campeonato iria acabar. Havia muita expectativa em Itália, pois pensava-se que 18 anos depois, a seca de títulos por parte da Ferrari iria acabar. Havia também o receio que Schumacher pudesse usar a mesma manobra que tinha feito três anos antes, em Adelaide, para alcançar o seu primeiro título mundial.
Na partida, Schumacher foi melhor que Villeneuve, e ficou na liderança. Villeneuve era terceiro, atrás de Frentzen, mas poucas voltas depois, o alemão deixou passar o seu companheiro na Williams-Renault, pois o título mundial estava em jogo. Até à volta 48, a história resume-se a Villeneuve a perseguir Schumacher, enquanto que este tentava conseguir uma distância segura para poder controlar o seu adversário e conseguir aquilo que almejava: o título mundial. Enquanto isso, Frentzen ficava cada vez mais para trás, sendo ultrapassado pelos McLaren de Mika Hakkinen e David Coulthard.
Nessa volta 48, Villeneuve decidiu aumentar o ritmo e estava a ser muito mais rápido do que o piloto alemão. Na verdade, depois do segundo reabastecimento, quatro voltas antes, o jogo de pneus do Williams respondia melhor que o da Ferrari, logo, o canadiano conseguia recuperar a desvantagem que tinha sobre o alemão. E quando ambos os carros chegaram ao final de uma longa recta, a curva Dry Sac tornou-se no epicentro de toda uma época. Tudo graças a uma manobra arriscada de Jacques Villeneuve, pela direita, e a consequente reacção de Michael Schumacher!
No embate, o Ferrari acabou na gravilha e ficou por lá, enquanto que o Williams tinha danos no radiador. Apesar de permitir que Villeneuve continuasse a corrida, teria que o fazer a um ritmo mais baixo. Mas a polémica estava lançada, pois para muitos, Michael Schumacher voltava a fazer das suas! E tudo isto quando faltavam 22 voltas para o fim da corrida.
Até ao final, Villeneuve esteve sempre na frente, mas a volta e meia do fim, foi apanhado pelos McLarens. Sabendo que não era importante ganhar, pois bastava um sexto lugar para ser campeão do mundo, deixou ultrapassar os dois McLaren, com Hakkinen na frente. E foi assim, de forma consentida, que o finlandês alcançou a sua primeira vitória, depois de sete temporadas ao mais alto nível… Depois dos McLarens, Villeneuve foi terceiro, tendo logo atrás o Benetton de Gerhard Berger (que faria ali o seu último Grande Prémio da sua carreira), o Ferrari de Eddie Irvine e o Williams de Heinz-Harald Frentzen, que ficou com a volta mais rápida.
A corrida continuou depois… nos bastidores. A 11 de Novembro, depois de ouvir as partes em conflito, a FIA decidiu excluir Michael Schumacher do seu vice-campeonato, com 78 pontos. Contudo, ele manteve as suas vitórias e os seus pódios no curriculo. Max Mosley afirmou que “Apesar da acção ter sido propositada, esta foi mais uma reacção imtempestiva do que deliberada”. As reacções em Itália e na Alemanha foram de tristeza, mas também de indignação. Um exemplo foi o jornal “La Stampa”, propriedade da familia Agnielli, dona da FIAT (e da Ferrari): “A sua imagem de campeão foi quebrada”.